O Mago corresponde à letra hebraica Beth, que significa "casa", ao Planeta Mercúrio e ao número um em romanos (I).
Esta Lâmina está simbolicamente relacionada ao Deus romano Mercúrio - que é o mesmo Hermes dos gregos e o Thoth dos egípcios - e que tem na ambigüidade a sua característica mais distintiva. Deus dos comerciantes e, também, dos ladrões, protetor dos viajantes e, ao mesmo tempo, dos salteadores de estrada, não é sem motivo que ele é chamado "duplex", ou seja, "o de dupla natureza", macho e fêmea, ativo e passivo, visível e invisível, Sol e Lua, céu e terra, mãe e pai, velho e jovem, forte e fraco, etc. Esta natureza dual se encontra vigorosamente sugerida pelo seu símbolo Tradicional, o Caduceu - e que é, também, o símbolo da Medicina e da Sagrada Arte de Curar. O Caduceu era composto, originalmente, por duas serpentes enroladas ao redor de um bastão [ver Nota 1, abaixo], representando, desta forma, a harmonia (união) e a complementaridade dos opostos - as duas serpentes eram macho e fêmea, opostas assim em sua natureza, mas complementares em se considerando o gênero. Ora, um dos Títulos mais antigos deste Arcano é justamente o francês "Le Bateleur", e que significa "o portador do bastão".
O Tarot de Marselha - acima representado - mostra um indivíduo trazendo na sua mão direita uma moeda e, na sua mão esquerda, uma varinha ou um bastão. Diante dele está uma mesa e, sobre esta, os apetrechos de típicos de um prestidigitador de rua: podem-se discernir ali, sem grande dificuldade, um par de dados, algumas bolas, dois copos, uma pequena faca colocada ao lado do que parece ser a sua bainha, e, em um extremo da mesa, vê-se o que poderia ser um pequeno fogareiro. A expressão facial e corporal deste personagem sugere que ele está prestes a realizar algum "truque", para o deleite e assombro de uma platéia invisível para nós.
Um outro Título antigo - e menos conhecido - deste Arcano é o francês "Le Mage" - e que corresponde ao inglês "The Magician" e ao italiano "Il Mago". Em português, existe uma distinção entre as palavras "magia" - que é tida como "de verdade" porquê tem implicações "sobrenaturais" - e "mágica" - que é considerada como sendo "de mentira" ou "falsa" porquê possui uma explicação "natural" -, no entanto, devemos reparar aqui que tal diferenciação simplesmente não existe em diversos outros idiomas - em inglês, por exemplo, a palavra "magic" exprime ambos os conceitos simultaneamente. É justamente esta dualidade - que nos remete diretamente à correspondência astrológica deste Arcano - que encontramos presente no Tarot de Marselha: O Mago é aqui, tanto o "embusteiro" comum quanto o detentor de "segredos", alternando uma e outra máscara conforme a ocasião. De fato, uma das origens propostas para a palavra Magia é o sânscrito MAYA, e que significa "ilusão". O que muda, apenas é o "nível" em que a ilusão é processada: se a nível físico [ver Nota 2], ele é um Mágico; se a nível outro que não o físico, um Mago.
No processo de evolução histórica do Tarot, houve, a partir do final do século XIX, um grande esforço para "remover" de O Mago o seu aspecto de "embusteiro". Desta maneira, para citar apenas um exemplo, os objetos dispostos sobre a mesa do Mago foram modificados de forma a representarem os quatro naipes do Tarot e/ou as quatros armas mágicas simbólicas. Assim, a baqueta ou varinha passou a ser vista como uma figuração do naipe de paus assim como da baqueta mágica; a moeda, do naipe de ouros e da arma pantáculo; os copos, do naipe de copas e da arma taça; e, a faca, de do naipe de espadas e da arma de mesmo nome - é desta forma que este Arcano aparece retratado no Tarot de Papus (1909), de Waite (1910), de Wirth (1927), bem como em diversos outros Tarots subseqüentes. Também a postura do Mago foi particularmente alvo de uma "correção" nas verões modernas deste Trunfo, desaparecendo o seu aspecto algo "tortuoso" original - desta forma, O Mago de Papus, por exemplo, parece quase que hipnotizado pela ponta de sua varinha, tão decididamente ele a encara. Esta tendência também se encontra notavelmente presente no Tarot de Waite, que estudaremos a seguir.
No Tarot de Waite (acima), a figura de O Mago é luminosa, clara, brilhante: não existe ali nenhum indício, por menor que seja, daquele saltimbanco visto no Tarot de Marselha. O Mago de Waite segura um bastão com a mão direita, que está dirigido para cima, para o Alto: ele parece invocar a energia das esferas superiores para, desta forma, dirigir magicamente o crescimento das plantas situadas abaixo dele. O significado implícito aqui é o de um domínio do "inferior" - a natureza representada pelas plantas - pelo "superior" - o ser humano [ver Nota 3]. Isto se encontra reforçado, inclusive, por diversos outros símbolos presentes nesta Lâmina. Note-se, por exemplo, que a mesa que contém as armas está colocada de maneira a ocultar, parcialmente, a metade inferior do corpo do Mago - e, especialmente, a sua região genital. Isto eqüivale a dizer, em termos simbólicos, que a sexualidade de O Mago - a energia selvagem da natureza em nós - se encontra totalmente sublimada em energia intelectual - o que é sugerido pelo símbolo do infinito pairando sobre a sua cabeça. Todo o fluxo de energia desta carta se encontra, portanto, organizada sob a forma de relações hierárquicas descendentes - o "alto" dominando o "baixo", o intelecto dominando o instinto, etc. [4] relacionadas, apenas à dimensão "vertical" deste Arcano, mas não à sua integralidade.
NOTAS:
[1] Muitas versões modernas exibem apenas uma única serpente, o que pode ser interpretado, do ponto-de-vista simbólico como o sinal de uma certa polarização característica das Sociedades modernas.
[2] Isto é, que participa da "natureza" ou PHYSIS, termo grego da qual a palavra "físico (a)" tem a sua origem.
[3] As plantas vistas na Lâmina de Waite podem também representar, a um certo nível, os aspectos "vegetativos", autonômicas, da natureza humana. É assim que o controle de determinadas funções fisiológicas do corpo - batimentos cardíacos, respiração, tônus muscular e até mesmo determinados fenômenos da peristalse - podem ser considerados como "magia" pelo observador desavisado.
[4] Isto eqüivale a dizer, cabalisticamente, que esta Lâmina representa apenas o Pilar descendente da Árvore da Vida e, de fato, sobre única perna visível da mesa - e que, de certa forma, "substitui" a perna do personagem-título - podemos ver escrita a palavra hebraica DIN - um outro nome para a esfera de Geburah, que encabeça este Pilar.