quinta-feira, 30 de julho de 2009

Arcano da Semana: O Mago

Esta é uma sugestão de postagem que poderia figurar periodicamente neste blog: comentários sobre o simbolismo de arquétipos bem conhecidos da tradição ocidental. Escolhi "O Mago" para começar em parte porquê é, dentre todos os Arcanos do Tarot um dos mais mal-compreendidos e, em parte também porquê os recentes eventos envolvendo a gripe suína tem muito a ver com o que é representado neste arcano. A continuidade ou não deste gênero de postagem dependerá, em grande parte, do retorno recebido pelos leitores. Escolhi como temática inicial as versões de Marselha e Waite porquê estas se constituem nos pilares sobre os quais muito do desenvolvimento posterior do personagem foi construído.

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O Mago corresponde à letra hebraica Beth, que significa "casa", ao Planeta Mercúrio e ao número um em romanos (I).

Esta Lâmina está simbolicamente relacionada ao Deus romano Mercúrio - que é o mesmo Hermes dos gregos e o Thoth dos egípcios - e que tem na ambigüidade a sua característica mais distintiva. Deus dos comerciantes e, também, dos ladrões, protetor dos viajantes e, ao mesmo tempo, dos salteadores de estrada, não é sem motivo que ele é chamado "duplex", ou seja, "o de dupla natureza", macho e fêmea, ativo e passivo, visível e invisível, Sol e Lua, céu e terra, mãe e pai, velho e jovem, forte e fraco, etc. Esta natureza dual se encontra vigorosamente sugerida pelo seu símbolo Tradicional, o Caduceu - e que é, também, o símbolo da Medicina e da Sagrada Arte de Curar. O Caduceu era composto, originalmente, por duas serpentes enroladas ao redor de um bastão [ver Nota 1, abaixo], representando, desta forma, a harmonia (união) e a complementaridade dos opostos - as duas serpentes eram macho e fêmea, opostas assim em sua natureza, mas complementares em se considerando o gênero. Ora, um dos Títulos mais antigos deste Arcano é justamente o francês "Le Bateleur", e que significa "o portador do bastão".


O Tarot de Marselha - acima representado - mostra um indivíduo trazendo na sua mão direita uma moeda e, na sua mão esquerda, uma varinha ou um bastão. Diante dele está uma mesa e, sobre esta, os apetrechos de típicos de um prestidigitador de rua: podem-se discernir ali, sem grande dificuldade, um par de dados, algumas bolas, dois copos, uma pequena faca colocada ao lado do que parece ser a sua bainha, e, em um extremo da mesa, vê-se o que poderia ser um pequeno fogareiro. A expressão facial e corporal deste personagem sugere que ele está prestes a realizar algum "truque", para o deleite e assombro de uma platéia invisível para nós.

Um outro Título antigo - e menos conhecido - deste Arcano é o francês "Le Mage" - e que corresponde ao inglês "The Magician" e ao italiano "Il Mago". Em português, existe uma distinção entre as palavras "magia" - que é tida como "de verdade" porquê tem implicações "sobrenaturais" - e "mágica" - que é considerada como sendo "de mentira" ou "falsa" porquê possui uma explicação "natural" -, no entanto, devemos reparar aqui que tal diferenciação simplesmente não existe em diversos outros idiomas - em inglês, por exemplo, a palavra "magic" exprime ambos os conceitos simultaneamente. É justamente esta dualidade - que nos remete diretamente à correspondência astrológica deste Arcano - que encontramos presente no Tarot de Marselha: O Mago é aqui, tanto o "embusteiro" comum quanto o detentor de "segredos", alternando uma e outra máscara conforme a ocasião. De fato, uma das origens propostas para a palavra Magia é o sânscrito MAYA, e que significa "ilusão". O que muda, apenas é o "nível" em que a ilusão é processada: se a nível físico [ver Nota 2], ele é um Mágico; se a nível outro que não o físico, um Mago.

No processo de evolução histórica do Tarot, houve, a partir do final do século XIX, um grande esforço para "remover" de O Mago o seu aspecto de "embusteiro". Desta maneira, para citar apenas um exemplo, os objetos dispostos sobre a mesa do Mago foram modificados de forma a representarem os quatro naipes do Tarot e/ou as quatros armas mágicas simbólicas. Assim, a baqueta ou varinha passou a ser vista como uma figuração do naipe de paus assim como da baqueta mágica; a moeda, do naipe de ouros e da arma pantáculo; os copos, do naipe de copas e da arma taça; e, a faca, de do naipe de espadas e da arma de mesmo nome - é desta forma que este Arcano aparece retratado no Tarot de Papus (1909), de Waite (1910), de Wirth (1927), bem como em diversos outros Tarots subseqüentes. Também a postura do Mago foi particularmente alvo de uma "correção" nas verões modernas deste Trunfo, desaparecendo o seu aspecto algo "tortuoso" original - desta forma, O Mago de Papus, por exemplo, parece quase que hipnotizado pela ponta de sua varinha, tão decididamente ele a encara. Esta tendência também se encontra notavelmente presente no Tarot de Waite, que estudaremos a seguir.


No Tarot de Waite (acima), a figura de O Mago é luminosa, clara, brilhante: não existe ali nenhum indício, por menor que seja, daquele saltimbanco visto no Tarot de Marselha. O Mago de Waite segura um bastão com a mão direita, que está dirigido para cima, para o Alto: ele parece invocar a energia das esferas superiores para, desta forma, dirigir magicamente o crescimento das plantas situadas abaixo dele. O significado implícito aqui é o de um domínio do "inferior" - a natureza representada pelas plantas - pelo "superior" - o ser humano [ver Nota 3]. Isto se encontra reforçado, inclusive, por diversos outros símbolos presentes nesta Lâmina. Note-se, por exemplo, que a mesa que contém as armas está colocada de maneira a ocultar, parcialmente, a metade inferior do corpo do Mago - e, especialmente, a sua região genital. Isto eqüivale a dizer, em termos simbólicos, que a sexualidade de O Mago - a energia selvagem da natureza em nós - se encontra totalmente sublimada em energia intelectual - o que é sugerido pelo símbolo do infinito pairando sobre a sua cabeça. Todo o fluxo de energia desta carta se encontra, portanto, organizada sob a forma de relações hierárquicas descendentes - o "alto" dominando o "baixo", o intelecto dominando o instinto, etc. [4] relacionadas, apenas à dimensão "vertical" deste Arcano, mas não à sua integralidade.

NOTAS:

[1] Muitas versões modernas exibem apenas uma única serpente, o que pode ser interpretado, do ponto-de-vista simbólico como o sinal de uma certa polarização característica das Sociedades modernas.
[2] Isto é, que participa da "natureza" ou PHYSIS, termo grego da qual a palavra "físico (a)" tem a sua origem.
[3] As plantas vistas na Lâmina de Waite podem também representar, a um certo nível, os aspectos "vegetativos", autonômicas, da natureza humana. É assim que o controle de determinadas funções fisiológicas do corpo - batimentos cardíacos, respiração, tônus muscular e até mesmo determinados fenômenos da peristalse - podem ser considerados como "magia" pelo observador desavisado.
[4] Isto eqüivale a dizer, cabalisticamente, que esta Lâmina representa apenas o Pilar descendente da Árvore da Vida e, de fato, sobre única perna visível da mesa - e que, de certa forma, "substitui" a perna do personagem-título - podemos ver escrita a palavra hebraica DIN - um outro nome para a esfera de Geburah, que encabeça este Pilar.

2 comentários:

  1. Interessante!

    Porém, acho que há alguma confusão com a palavra "magia" pois também em português ela serve para a arte "verdadeira" e a "ilusória", sendo "mágica" um adjectivo.

    Talvez te quisesses referir ao português do Brasil, não sei, pois sobre isso já não tenho conhecimento suficiente.

    Também já fiz a análise do Arcano, numa vertente diferente, se quiseres ler e dar a tua opinião seria interessante.

    Um abraço

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  2. Yuri,

    estudo e pratico Tarô há sete anos.
    Possuo algumas literaturas de referência versadas em alguns "Simbolistas Cabalistas" de comprometimento neste universo das lâminas. E volta e meia refaço algumas visitas e releituras, pois anterior a estes sete anos que descrevo segui de certa forma a linha "Cabalista" por três anos.

    Devido as inúmeras correntes e linhas de aplicação, alguns dogmas e contradições dos segmentos que tive acesso, estava me distanciando da essência (para mim) a priori do Tarô: Ser uma Ferramenta Oracular. Mas serviu muito para abarcar mais informação esotérica e discernir as tangências e pontes entre o Tarô e: Cabala, Astrologia, Hermetismo, Alquimia, Magia, Psicologia Numerologia e sem dúvida a que mais me acrescentou: Simbologia.

    De 2002 para cá, me aplicando sobre minhas limitações fui descobrindo o autoconhecer, o "conhecer a mim mesmo"; dentro desta mudança de paradigma e direção graças a um autor: Nei Naiff. E fui descobrindo e conhecendo pessoas com o pensar na mesma direção, que eu julgava seguir só.

    E a partir daí me clareou a penumbras de descontentamento e dúvidas do que seria Tarô. Virou filosofia de vida, prazerosa, constante e natural.

    Sigo hoje a linha dos "Simbolistas Clássicos", e me aplico mesmo ao profano, ao sortilégio ou como notou no BT: Tarô Adivinhatório.

    Para mim toda troca de informação é válida, sempre aprendendo a reaprender, e divulgar o Tarô, por mais que venha a pensar um dia que saiba algo sobre este fantástico oráculo, me causa grande satisfação e alegria sentir o quando me falta simplificar, aprofundar e aprender. "É um estudo para vida toda... ou mais. Faz quem pode, segue quem quer"

    Parabéns pela postura do teu labor, não é o muito que agrega valor mas o amor que colocamos na nossa jornada. Passo a passo.

    Como não são os grandes que mudam, mas os pequenos que transformam. Continuemos a buscar nossa transformação íntima, compartilhando a todo aquele que tenha olhos de ver.

    Saúde e vida longa;

    A.:.S.

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