domingo, 9 de agosto de 2009

Deus em Pessoa

"Às vezes sou o Deus que trago em mim
E então eu sou o Deus e o crente e a prece
E a imagem de marfim
Em que esse deus se esquece."

Fernando Pessoa

No poema acima:

O "Deus que trago em mim" é Kether, a Coroa.
"O crente" é Tiphereth, o Filho.
"A prece" é o silêncio do trigésimo-terceiro Caminho.
"A imagem de marfim" é Yesod.
O esquecimento é Malkhuth, o sono do mundo.

Mas quem liga?

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Carnivàle e os Arquétipos do Tarot

Em minhas andanças na Internet achei a abertura (abaixo) do extinto seriado Carnivàle, produzido pela HBO nos anos de 2003 e 2005. Eu, que sou o orgulhoso possuidor do Box do primeiro ano da série, não pude deixar de reproduzi-la aqui neste post.

Nesta belíssima seqüência de abertura, os Arquétipos do Tarot aparecem como pano de fundo dos acontecimentos históricos do período da série – anos 30, logo após o crash da Bolsa de 1929 e no auge da Grande Depressão. O contexto sócio-econômico do mundo da época também se encontra aqui bem representado: longas filas de desempregados, movimentos políticos hostis a minorias (aqui representados pela Klu Klux Klan e pelo facismo), líderes carismáticos (como Stalin e Mussolini). Dois momentos marcantes para mim são: a criancinha vestida com o uniforme do Klan e o casal de dançarinos.

Os Arcanos do Tarot representam aqui as forças que moldam o destino das massas sem o seu conhecimento. O término da abertura mostra a seqüência de cartas: O Julgamento (Arcano XX), A Lua (Arcano XVIII) e O Sol (Arcano XIX), representando, no espírito da série, a decisão – ou Julgamento – que deve ser tomado pelos personagens principais – e que representam as decisões da raça humana como um todo – entre o caminho da Magia e da Intuição – o Caminho da Lua – e o Caminho da Ciência e da Razão – o Caminho do Sol. Isto se encontra perfeitamente exposto na introdução ao primeiro episódio, narrada pelo anão Samson:

"Antes do início, depois da grande guerra entre o Céu e o Inferno, Deus criou a Terra e a entregou ao engenhoso macaco chamado homem. E a cada geração nascia uma criatura de luz e uma criatura de trevas. E grandes exércitos se enfrentavam noite afora na antiga guerra entre o bem e o mal. Era um tempo de magia. Nobreza. E inimaginável crueldade. E foi assim até o dia em que um falso sol explodiu sobre a Trindade (Trinity), e o homem trocou para sempre a maravilha pela razão.

O “falso sol” é uma alusão à explosão-teste da Bomba Atômica em Trinity em 1945. Este é mais um indicativo de que a série, originalmente, deveria cobrir um período maior de tempo – pelo menos de 1934 a 1945 – sendo que o cancelamento prematuro (por falta de audiência) limitou o arco de histórias.

*** ATENÇÃO: Spoliers adiante !!!!!!!!!!!!!!! ***

A "mitologia" da série gira em torno da trajetória do jovem Ben Hawkins que se une a um circo intinerante (o Carnivàle do título) - a princípio como um simples faz-tudo. Logo no primeiro episódio descobrimos que este possui o dom de curar. Isto, no entanto não acontece sem um preço: para cada quantidade de "vida" devolvida a uma pessoa, uma quantidade igual de "vida" é roubada dos que estão à sua volta - de forma a manter o equilíbrio no Cosmo. No decorrer da série fica bem claro que o dom dar "vida" é também o dom de tirar a "vida" - ou seja, de matar - sendo meramente dois lados de uma mesma moeda. Isto por si só já é muito interessante e mexe com a cabeça da gente. A série acompanha também a vida do Pastor Justin Crow que possui também o seu quinhão de dons incomuns. Ficamos sabendo, no decorrer dos episódios, que um deles é a encarnação da "luz" e o outro a encarnação das "trevas", embora no início não fique muito claro qual é qual. Não vou dizer aqui para não estragar a surpresa. Junte isso com uma trama que envolve anões e mulheres barbadas, cavaleiros templários e muita, muita, muita referência religiosa e o resultado é diversão de alto nível.

Meu episódio favorito da Primeira Temporada: Babylon (5o epiódio)
Conexão com o Tarot: Arcano XI

Meu episódio favorito da Segunda Temporada: New Canaan (series finale)
Conexão com o Tarot: Arcano II



Post-scriptum: Uma coisa que eu particularmente adoro nesta série é a magnífica reconstituição de época: outro espetáculo a parte. Todo lugar é quente. Todo lugar é sujo. A poeira é quase um personagem fixo da série. Tudo perpassa um ar do mais absoluto desespero.

sábado, 1 de agosto de 2009

"Porque existem Três Magos no Tarot de Thoth?"

Chegou-me por e-mail esta dúvida - relacionada à postagem anterior - e achei interessante responder no Blog, pois é uma dúvida muito comum entre os iniciantes no estudo do Tarot.e da Tradição Para resumir em uma única linha: só existe um - e apenas um - Mago no Tarot de Thoth, os outros dois são versões de "rascunho" - tentativas anteriores de finalização deste Arcano que não foram aprovadas pelo idealizador deste baralho.

Para entender melhor como isto aconteceu, temos que falar um pouquinho da história de como foi elaborado o Tarot de Thoth. Este Tarot foi o resultado de um trabalho conjunto de Aleister Crowley (1875-1947), conhecidíssimo Ocultista, Poeta e Mago inglês, e Frieda Harris (1877-1962), artista plástica e discípula de Crowley, também inglesa. Funcionava mais ou menos assim: Crowley ditava o simbolismo que deveria ter na carta e Frieda Harris ia tentando reproduzir em uma pintura os conceitos que Crowey ia lhe passando de uma forma coerente e esteticamente agradável. Dois dos Três Magos são tentativas que não “deram certo” e a prova disto se encontra neles mesmos: é só olhar de perto, como faremos aqui.

Tentativa Número 1: O Mago


A primeira tentativa de representação deste Arcano (acima reproduzida) ainda é chamada de “O Mago”. Posteriormente Crowley iria mudar o Título deste Arcano para “O Magus”, como aparece nas duas subsequentes. O Título de "Magus" representa, em seu aspecto mais simples, um grau iniciático da "Ordem Hermética da Aurora Dourada" - Hermetic Order of the Golden Dawn - sociedade filosófica que floresceu nas últimas décadas dos século 19 e princípios do século 20 - e da qual Crowley fez parte. O grau de Magus representa o segundo grau mais alto que pode ser atingido no Sistema Mágico e Iniciático da Aurora Dourada, sendo reservado para seres do porte de Jesus, Hermes, Buda, etc. - o quê tem tudo a ver com o simbolismo deste Arcano.

Neste "rascunho" do que viria a ser a versão definitiva, percebemos claramente que o Personagem central tem os seus braços e pernas articulados em forma de Suástica. Simbolicamente, a Suástica corresponde, à letra hebraica Aleph, a primeira letra do alfabeto hebraico. Isto é estranho, porquê o Mago corresponde à letra Aleph na Escola Francesa de Magia (Eliphas Levi, Papus, G. O. Mebes, etc.) . Na Escola Inglesa de Magia (representada na época pela Ordem Hermética da Aurora Dourada), o Mago corresponde à letra Beth. Para que conhece a tradição por trás do Tarot, fica claro que existe aqui um conflito entre as duas Escolas. A explicação disso muito possivelmente se encontra na própria trajetória biográfica de Aleister Crowley, que teve a oportunidade de participar tanto de uma como de outra Escola.

Tentativa Número 2: O Magus ou “O Mago Negro”


Esta segunda tentativa já possui o Título alterado para “O Magus”, o que pode ser interpretado por uma tendência de Crowley a adotar a Escola Inglesa como referência principal no seu Tarot. Se observarmos na borda inferior da lâmina, veremos que as correspondências de Planeta e letra hebraica já estão “invertidas” em relação à tentativa anterior. Ou seja: o Planeta do lado esquerdo de que olha e a letra hebraica do lado direito. Se reparamos bem, veremos que na tentativa anterior, o Planeta estava do lado direito e a letra do lado esquerdo. A disposição que vemos aqui nesta lâmina é a que vai ser seguida em todos os demais Arcanos Maiores - e por isso também sabemos que ela está mais "perto" da versão final que a tentiva número 1.

Também é fácil perceber que o personagem em questão não possui os braços. Sabemos que a perda do(s) membro(s) é um Símbolo de castração, o que parece ser confirmado pelo fato de a genitália do personagem estar ocultada pelo Caduceu alado (um emblema de Mercúrio) que aqui atua tanto como tapa-sexo quanto como substituto ao phallus ausente. Ora, a palavra hebraica “Aleph” significa “boi”, isto é, um touro castrado. Percebemos portanto que persiste aqui, ainda, um certo conflito – embora mais sutilizado, mais simbólico – entre as duas Escolas de Simbolismo, Francesa e Inglesa, mas já com grande predominância desta última.

Uma curiosidade: esta lâmina também é conhecida como “O Mago Negro” devido à sombra que pode ser vista por detrás do personagem. Algumas pessoas, por este motivo, retiram esta lãmina do Tarot antes de deitar as cartas, por acharem que dá "má sorte".

Versão Final: O Magus


Esta é a versão final - "definitiva" - do Arcano. Podemos perceber sem dificuldade que o grau de acabamento é nitidamente superior em relação às duas outras lâminas. O phallus se encontra presente por detrás do personagem - é o pilar, o eixo, o centro ao redor do qual giram os 9 objetos que podem ser vistos na figura, da mesma forma que o Sol é o centro ao redor do qual orbitam os nove planetas do nosso sistema (estou incluindo Plutão aqui , a despeito da polêmica). As outras cartas foram introduzidos pela companhia que produz a versão “Suíça” do Tarot de Thoth (A. G. Mueller), aparentemente apenas como um “brinde”, sem nenhum outro propósito. Nos anos que se seguiram não faltou, a bem da verdade, quem lhes atribuísse os mais diversos significados de cunho pretensamente "esotérico" e mesmo quem defendesse a sua utilização - ou exclusão - no processo divinatório. Podemos dar até mesmo aqui uma sugestão nossa neste sentido.

Se a tentativa número 2 é “O Mago Negro”, a tentativa número 1 poderá ser entendida como “O Mago Branco”, e a versão final como o equilíbrio final entre os opostos representados pelo outros dois Magos. De um ponto de vista histórico, isto pode ser entendido como o “casamento” das duas Escolas de Magia neste Tarot, ou ainda, de um ponto de vista simbólico, da integração das polaridades, luz e sombra, masculino e feminino, alto e baixo, em um único “filho” simbólico. Voltaremos a falar nisto em uma outra oportunidade. Por ora, indenpendentemente do que acreditamos serem os Magos “extras” do Tarot de Thoth, só nos resta admirar este belíssimo Tarot e toda a Filosofia que ele contém.